segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A vida resumida


Assisti ontem o primeiro episódio da série ‘Quem é meu pai?’ do programa Fantástico. Pra quem não viu, resumindo: o quadro pretende acompanhar semana após semana a saga de alguns dos 3,5 milhões de brasileiros – dados do programa – que não possuem o nome do pai em suas certidões de nascimento e querem porque querem passar a carregar os Santos, Silvas, Souzas e etc de seus progenitores. Se você não assistiu, eu assisti e só pra variar, não gostei.

Pra mim, o quadro já começa errando pelo título. Por que em vez de perguntar quem é o pai, o quadro não pergunta por que o pai não registrou o filho? Seria uma boa maneira de tocar em um assunto que geralmente (vejam bem que não estou generalizando) começa por uma ideia machista de que a gravidez, quando indesejada, torna-se uma responsabilidade exclusiva das mulheres. Mas, sabe como é, né? Vamos apagar as causas e pular logo pras conseqüências porque na TV time is money mais do que em qualquer outro lugar. 

Assim, em vez de começar as histórias pelo começo, o Fantástico corta caminho, começa pelo fim e acompanha simultaneamente duas audiências de um projeto do Judiciário chamado “Pai presente” que permite investigação de paternidade gratuita aos brasileiros que estão a fim de somar mais um sobrenome a seus documentos. Mas então é isso, produção? Ter um pai presente é carregar um Ferreira no final do nome? 

Então o meu conceito de pai deve estar completamente equivocado, talvez porque eu acho que mesmo que se hoje a justiça através de um exame de DNA obrigue um pai  a pôr seu sobrenome após o nome de seus filhos não se reconstitui a história. Então se o trabalho dos juízes é forçar um homem a enfiar um nome a mais na certidão de uma criança, sinto muito, mas isso resolve muito pouco ou quase nada.

Fora isso, achei curioso que nas duas histórias verídicas acompanhadas pelo Fantástico, as mães dos personagens não foram ouvidas. Em uma das histórias a mãe nem mesmo foi citada, como se não existisse alguém que bem provavelmente se responsabilizou por suprir todos os vazios decorrentes do segundo domingo de agosto, dos comerciais de margarina e de tudo mais que é feito por um mundo perverso que esfrega na cara das pessoas que há algo errado em não se ter um pai.

Juro que passei o quadro inteiro me perguntando indignada sobre o porquê não deram vozes as mulheres que geraram aquelas duas pessoas. Não consegui entender porque o reencontro com o pai que abandona (hipótese maldosa, mas bem realista) não podia ter a presença da mãe presente que sabe deus o que tanto fez para transformar aqueles dois em pessoas e para que inclusive, hoje eles pudessem diante das câmeras globais chorarem copiosamente ao abraçar homens completamente estranhos e alheios à suas histórias. Homens dos quais carregam apenas genes.

É como se a vida fosse resumida a genética e os laços afetivos que são cultivados desde a gravidez, passam pelas cólicas e febres nas madrugadas, aniversários, formaturas, casamentos e todas as outras derrotas e vitórias que permeiam a nossa existência não valessem de nada. A falta de um nome nos documentos é muito pouco diante da porção de outras coisas que podem ser sentidas pela ausência de um pai. Não adianta.

Que venha o próximo domingo. 

2 comentários:

  1. Pois é..tb percebi alguns desses detalhes na reportagem...E fico pensando que quem perde mais não são os filhos, e sim os pais que deixaram de conhecer e conviver com filhos, que nem imaginam ser tão parecidos com eles, são os avós,os avôs, as tias,os primos e primas que perderam de conviver com pessoas que as vezes podem sem tão parecidas, que com certeza poderiam ter se tornado seus melhores amigos,amigos de vida...enfim, no final das contas,o pai que "abandona" é quem menos perde...vi, ouvi essa reportagem, e pensei o quanto posso ter perdido,pois o tempo não volta para que possamos fazer diferente...

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    1. Só hoje li seu comentário. Você tem razão. O pai que irresponsavelmente não assume a paternidade, priva sua família da convivência com mais um ente, infelizmente. Eu, você e seu irmão acabamos sendo vítimas disso. Certamente teríamos vivido ótimos momentos!

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