segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A dor

A dor é uma coisa tão verdadeira, que as pessoas acostumadas com mentiras ofendem-se com as dores alheias. Eu gostaria de ver, só por um dia, algumas pessoas sem suas máscaras e seus textos ensaiados. Saber o que lhes passa por dentro, se tudo na vida delas é assim tão colorido e indolor. Tudo muito mais cor-de-rosa do que vermelho. Pois só tenho notícias de suas alegrias e de que nelas nunca dói nada. É mesmo possível?  Em mim dói, fere, corta e pulsa o tempo inteiro. 

Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne e sangra todo dia.”
(José Saramago)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Falta algo além da vida

Fui ao cinema esta semana assistir ao recomendadíssimo Além da Vida (Hereafter), de Clint Eastwood, com Matt Damon. Achei que sairia satisfeitíssima da minha poltrona, já que adoro o cineasta e o ator, mas, o filme não me intrigou tanto quanto eu esperava. E as outras pessoas que me acompanhavam na sessão, também tiveram a sensação de que Além da Vida, assim como o próprio mistério que tematiza o filme, deixava algo a desejar.

Primeiramente é preciso destacar que o filme, em aspectos técnicos, me pareceu digno de Oscar. Ok, como gosto de esclarecer, não sou nenhuma cinéfila, mas tenho o mínimo de percepção de qualidade. A fotografia é muito boa para um longa com cenas em Londres, São Francisco, Paris e uma cidade da Tailândia, que possuem cores tão diferentes. Os planos são densos, há silêncio e uma bela trilha sonora, exatamente como eu gosto. Por isso, os predicados a esses aspectos são inegáveis.

Existem no filme três histórias: uma muito boa brilhantemente interpretada por irmãos gêmeos (Frankie e George McLaren), dos quais não me vem à cabeça referências de outros filmes. O menino tem uma ausência de sorrisos tão doída que acaba por segurar a onda da trama como a história mais emocionante. A segunda é mediana, na qual Matt Damon não mostra nada que eu não tenha visto em suas atuações anteriores, já que o ator se dá ao personagem do vidente que vê seu dom como maldição, na medida do convencimento e só. A terceira história, pra mim, seria dispensável. Tem como personagem central uma jornalista francesa (Cécile De France) em crise após uma experiência de quase morte, é o papel que dá os traços mais clichês da sequência. 

Assim, o que mais me atraía ao filme, o fato de serem apresentadas três tramas paralelas, ficou meio desconectado. Sou fã dos chamados “filmes mosaicos”. Porém, ao contrário do que é possível perceber no premiado The Hours (2002) – filme no qual se entrelaçam dramas de três mulheres que vivem em contextos totalmente distintos – Estwood vai dando pistas aos poucos de que as três histórias estão ligadas e a trama vai se arrastando até um encontro muita graça e cheio de pieguice. 

Por isso, a relação com a proximidade com a morte, que deveria juntar os três personagens principais, acaba por soar forçada. O desfecho decepciona. Uma trama com um caráter tão forte de ceticismo jamais poderia finalizar num longo beijo romântico de um casal e acaba sendo o suficiente para que eu saia insatisfeita do cinema. Um filme com bons pontos, mas que, no fim de tudo não diz a que veio.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Partindo do passado

"O passado às vezes é como uma âncora, que te impede de seguir em frente." Essa frase saiu de um dos meus seriados favoritos, Sex and the city, e, hoje pela manhã, não saía da minha cabeça. Se somos embarcações tão independentes carregadas de coisas positivas, porque, tantas vezes não conseguimos simplesmente levantar as bendita âncora e seguir? 

Ainda insisto em acreditar que tudo que não conseguimos superar parte do “não enfrentamento”. É como se, por fora, a gente mostrasse que aquilo já não incomoda ou faz sentido em nossas vidas, mas pra dentro sabemos que qualquer coisa pode nos desestabilizar e nos deixar novamente ancoradas em situações, histórias e relações que já não cabem mais no presente.

Digo tudo, sem risco ou intenção de me mostrar uma fortaleza, até porque, muitas vezes me amparo nesse passado, que eu mesma chamo ou que eu não verdadeiramente deixo em seu devido lugar. Sou assim até estar frente a frente comigo ciente de que não vale a pena carregar o peso do que já passou. É duro, mas é preciso seguir mar adentro ou rio acima com a certeza de que aquilo que conseguimos verdadeiramente deixar onde deve estar não mais será passível de nos incomodar. E que, a ausência do desconforto do que já passou só depende de nós mesmos, de nossas forças e nossas sinceras vontades.

Por isso, a todos e todas que permanecem ancorados em porto ou cais, presos ao que já não é mais conjugável no presente, só me vem à cabeça dizer: tenha certeza do que vale e do que não vale estar nesse momento da sua vida e, em seguida depois todo resto estará resolvido. As lembranças são sempre inevitáveis, eu diria que até mesmo os saudosismos são cabíveis, o que não nos cabe de verdade é o sofrimento, a dor e a inquietação. 

“No presente a mente, o corpo é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais.” (Belchior)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"O meu mundo não é como o dos outros;
quero demais, exijo demais;
há em mim uma sede de infinito,
uma angústia constante
que nem eu mesma compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista;
sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa, violenta, atormentada,
uma alma que não se sente bem onde está,
que tem saudades...
sei lá de quê !"
  Florbela Espanca

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Devolve minha vida!

!Venho por meio desta, solicitar a pessoa que me cedeu esta vida que faça o favor de vir buscar e me devolva a minha. Vou logo avisando que não tenho como pagar resgate nem taxa de devolução, porque estou sem um centavo por estar vivendo a vida alheia. O máximo que posso fazer é entregar intacta a existência que está sob minha responsabilidade e que não me agrada nem um pouco. Por sinal, não sei como você está se adaptando aí com minha vida, porque eu não estou curtindo nem um pouco a sua. No começo, parecia até legal não ter obrigações e poder acordar tarde, eu estava mesmo precisando de descanso, mas logo isso fez com que eu adquirisse insônia e passasse a intercalar sensações de nostalgia e ansiedade. Um tédio! Como você consegue viver com tanto tempo sobrando? Eu não consigo me virar com toda essa liberdade e acabo pensando besteira. É muita falta do que fazer pra uma pessoa só. Outro dia, esse acervo de inutilidades que é sua vida me fez ter vontade de acabar com ela e a única coisa que me animou foi a possibilidade de rever minha vida que é preenchida por coisas assuntos e objetivos (coisas que toda pessoa que existe de verdade precisa). Até tentei mudar um pouco sua rotina, fazer umas adaptações, mas sua vida não serve nem pra virar figuração de filme de baixo orçamento, é muito parada. Você só acorda porque dormiu e só dorme porque tem que acordar. Procurei uns artifícios para levantar ela a um status de vidinha mais ou menos, mas me senti como essas pessoas que mentem pra si próprias fingindo que estão vivendo. Todo esse tempo longe da minha vida serviu pra que eu descobrisse, dentre outras coisas, que sexta-feira pode ter cara de segunda se você passou a semana toda sem nenhum compromisso e, eu não gostei de saber disso. Além do mais, não quero sua vida porque ela parece demais com umas vidinhas que eu conheço e definitivamente nada disso foi feito pra mim. Como esse povo aguenta? Como conseguem manter tanto sorriso como se fosse ótimo viver assim? Meus parabéns! Acho que só eu não consigo me adaptar e, pela lei de Darwin, eu serei eliminada. A não ser que eu tenha de volta minha sobrevivência. Então, quebra esse galho pra mim, devolve minha vida e vem logo buscar a sua.

Um coração desconfiado

Quando você apareceu eu gritei pra meu coração: É AMIGO! Como quem grita pra um cachorro brabo pronto pra esfacelar a panturrilha de um visitante desavisado. Ele, andava cheio de receios de uma vida inteira de furdunços que só fizeram machuca-lo, mas eu, fui o convencendo que você não passava dali. Até porque, você não tinha chances nem pretensões de se tornar um desamor potencial ou um nome deletado na agenda do meu celular. Meu coração, que não é bobo nem nada, ficou na espreita, feito cobra que se aquieta pra dar o bote a perceber qualquer risco, feito uma mãe a sobrevoar o ninho pra proteger seus filhotes. Mas você, eu não sei como, talvez fez arrodeio, não meteu o pé na porta, apenas deu voltas e atingiu bem em cheio. Ele tava desavisado, tinha abaixado a guarda achando que você não ousaria, nem viu você se assanhar pra o ataque. De lá pra cá, venha ver onde você está. Mas meu coração inteiro, teimoso que é, ainda bate pé e insiste em dizer que você não manda nada aqui dentro e por isso a porta está a meio palmo, escorada. Já que, esse coração desconfiado não é de prender ninguém por dentro.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Buscando estrelas

Não esperemos a chuva de estrelas. Vamos buscar no céu todas aquelas que desejamos, que merecemos.

 E quando estivermos empreendendo nossa descida de volta, repletos de pequenas grandes estrelas oriundas de nossos próprios esforços, vamos nos sentir muito mais vitoriosas por tudo aquilo conquistados por nós mesmos. 
Mesmo que demore, mesmo que doa. Elas cabem no céu, tanto quanto cabem em nossas mãos.

Estou subindo para buscar as minhas. Encontro, nesse caminho, amigas que descem contentes carregando desejos realizados.  Sorrio a todas, me alegro por todas. Assim deve ser. Já já, volto feliz com os meus.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011


" [...] pisa devagar meu coração cuidado é frágil;
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela. "

da música Coração Selvagem, de Belchior

O BBB, o insensato e os quatro atos

Começou há uma semana a 11ª edição do reality show que de real não tem nada, mas que ainda faz sucesso nesse país. Com ela, começa também a exibição exaustiva de abdomens sarados e mentes vazias e de  afairs  - que convencem tanto quanto as plásticas da mãe do papagaio de espuma. Tudo acontecendo sob o comando de um cara que, te tanto conviver com os brothers, me fez perder todas as referências profissionais positivas que eu tinha dele e se tornou tão no sense quanto os confinados. 

São um bando de mocinhas e mocinhos – assim da minha idade -  que independente do que fizeram depois do programa, dificilmente, deixarão de ser lembrados apenas pelo título de ex-BBBs. E é bem o que eles merecem por encherem nossa tela de imbecilidades todos os dias. Me choco quando lembro que tem gente que assina pay-per-view pra ficar vendo tanta demência o dia inteiro. Na maioria das vezes que paro para assistir ao programa, dou de cara com meu conterrâneo “coreógrafo” ensaiando algum rebolation do verão passado numa agitação sem fim em frente a seus coleguinhas sem assunto. É o suficiente, desligo a TV. Se o que eles tivessem de “beleza”, tivessem também de conhecimento, estaríamos numa biblioteca.

No mais, dei graças aos deuses, pelo fim da trama das oito, que eu não assistia e não conhecia ninguém que assistisse. Daria minha alma para que a Globo desistisse desse modelo de teledramaturgia “mais do mesmo”, mas foi mais fácil ver mais um signo dentro do horóscopo, do que ver extinta um dia a praga das telenovelas. Me animo ao ver que a nova trama tem insensato no título – as outras eram insensatas em tudo -  e um elenco de primeira. Muita gente boa que andava há tempos fora da TV vai dar as caras nessa história. Queira o santo protetor dos telespectadores, que ela tenha um bom texto e o elenco tenha boa vontade de trabalhar, para que eu possa passar mais de um bloco em frente a TV, enquanto espero a atração seguinte.

Também na semana passada, parei para ver a microssérie baseada em quatro canções de Chico Buarque (de quem eu sou mais que fã). Empolgada que fico com as séries globais de inicio de ano. Decepção total. Ainda que eu tenha entendido que era uma livre adaptação, achei livre demais. Do universo buarqueano só tinha a trilha sonora e os nomes dos episódios. Achei a maior sacanagem pegarem obras como Mil perdões, Folhetim e As vitrines e resumir tudo a historinhas de amor monogâmicas, cheias de puritanismos e preconceitozinhos e sem a menor paixão. Quando não faltava mais nada, contaram a fábula da prostituta que larga a profissão por amor. Nunca soube de letra alguma de Chico Buarque que fizesse qualquer referência a tal acontecimento. Quem ficou puta com isso fui eu!

sábado, 15 de janeiro de 2011

O destino dos amores contrariados

"Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas recordava-lhe sempre o destino dos amores contrariados."

Primeira frase do livro O amor nos tempos do cólera, do gênio Gabriel García Marquez.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Catástrofe natural?

Quando vejo as imagens do dilúvio que acontece nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais esses dias, só me faço uma pergunta, pra que existem pessoas pagas - com nossos ricos impostos - para prever e solucionar coisas do tipo? Sim, por onde andam os técnicos dos institutos meteorológicos e os profissionais responsáveis por desenvolver soluções emergenciais que não resolvem isso? 

Sinceramente, não vejo nada de natural nessas catástrofes. Hoje mesmo, vi em um telejornal que um aguaceiro com semelhantes proporções na Austrália não teve mais que 20 mortes registradas. Enquanto que, só na região serrana do Rio, os peritos já calculavam mais de 500 mortes. Já o número de pessoas que estão fora de casa chega próximo aos 13 mil, de acordo com a Defesa Civil. É possível uma coisa dessas?

Para piorar, enquanto as pessoas que conseguem sobreviver estão desalojadas, desabrigadas e desesperadas, os governadores ficam jogando a culpa nos prefeitos, que jogam a culpa na população que constrói de forma desordenada, que joga a culpa na natureza que, como não pode jogar a culpa em ninguém, apenas joga mais água. 

Sem falar na novidade de o poder público achar que faz grande coisa liberando para saque o FGTS das pessoas atingidas pelos temporais. Isso é realmente solução? Será que não dá para apresentar algum apoio e/ou alternativa, que não seja meter a mão em um dinheiro que já é nosso por direito e que, além do mais, não é um benefício com o qual todos poderão contar?

Nesse interim, entra em cena o espírito solidário brasileiro e começam as campanhas para doações de roupas, cobertores, agasalhos, calçados, materiais de limpeza e higiene, água e alimentos. A ideia agora vai ser saber quem será o estado a bater o recorde nas doações. Acho que tem gente que vive na espera de uma catástrofe assim pra se mostrar mais generoso do que um estado vizinho. Sem falar nos bancos que lucram abrindo contas que serão recheadas de quantias a serem destinadas às vítimas. Será que chega mesmo? Quem fiscaliza isso? Como esse dinheiro é utilizado? Desculpem-me, mas eu desconfio até mesmo na minha própria sombra.

E outra, me poupe desses especialistas (?) dando entrevistas que só servem pra mostrar os avanços tecnológicos no ramo dos infográficos, viu? Eu nunca fui cdf na aula de Geografia Física, mas não preciso de uma tela tão colorida, tantos mapas e tantas tabelas para entender o que está acontecendo. E sei também que prevenção seria a única solução pra esse problema. Mas, ninguém quer gastar dinheiro com isso e as trágicas histórias vão se repetindo ano após ano. E lá vai Dilma pedir dinheiro ao Banco Mundial. Pouca coisa muda e no mais, haja capa de chuva para meus colegas repórteres!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Essa boneca não tem um manual

Não vim com prescrição. Não possuo manual, nem posologia. Nunca soube de coisa escrita sobre mim que começasse com os modos de usar. Não me acompanha nenhum verbete no dicionário. Pra mim não tem sinônimo ou palavra equivalente. Nos outros idiomas, sempre se peca na tradução. Eu não quero ser decifrável, não faço questão de ser de pronta compreensão. Nem simples, nem prática, nem compacta, nem completa, nem clara. Me agrada que eu seja objeto inacabado. Coisa ainda em construção. Via de difícil acesso. Ser em extinção. Tudo isso ou nada disso ou muito mais. Só não quero ser passível de nada muito fácil de entender.  Até porque, acho um saco, qualquer coisa muito fácil. Sou a louca na linha do trem. A carta que mandam e não chega. Uma onda que vai quebrar longe de todas as outras. A dúvida no meio de todas as certezas.


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um dia publico um livro!

E o texto abaixo, certamente, estará nele.


Um domingo

Talvez você nem se lembre, mas, quando você foi embora era domingo. Não chovia, mas o dia também não era dourado de verão. Era um domingo de mormaço e cores finas desenhadas no céu, quando você optou por ir embora da nossa história. Pra mim era um domingo cinzento, independente da estação. E por, isso, continuaria sendo domingo por algum tempo em minha vida.

Naquele domingo, eu não fui até a casa da minha mãe almoçar como fazia quase todos os fins de semana, preferi ficar em casa recolhendo tudo que representava você e tentando embalar pra jogar num buraco bem fundo, um poço. Assim, comecei a recolher dentro de mim todas as certezas de que você iria embora naquele domingo e não me cansava de olhar minha cara desfigurada de lágrimas no espelho do banheiro, quando você chegou, certo de que chegava para sair naquele dia cinza em mim. Você me olhou e enquanto o mundo desabava dentro daquele domingo, passou ao meu lado com um olhar de quem não sabia por que eu chorava tanto. Tratava de fingir que não se importava com minhas lágrimas porque assim era mais fácil pra você. E você sempre optou pelo mais fácil. Você nem sequer se deu ao trabalho de me amparar dizendo que já havíamos conversado sobre aquilo, simplesmente porque você não estava disposto a perder nem mais um segundo dentro daquela história falida de nós dois. 

Então que importância teria me dizer que eu não deveria estar daquele jeito? Pra você não tinha nenhuma importância mesmo, mas pra mim tinha toda importância saber que talvez eu não devesse mesmo estar daquele jeito. Com aquele rosto de mulher insone agarrada no último fio de esperança. Era melhor não ter nenhuma, era melhor ser pega de surpresa. Mas eu sabia que você iria embora. 

Você entrou no banheiro segurando sua toalha e eu me lembrei do dia em que te entreguei a chave da casa e me agarrei na lembrança das tantas outras vezes em que você pegou a toalha e entrou no banheiro enquanto eu te contava uma novidade deitada nua na cama. Meu coração se encheu de vida no espaço de tempo em que você pegou a toalha e entrou no banheiro sem olhar para trás e fechou a porta. Como você nunca fazia. Expulsando as recordações de todas as outras vezes que aquela porta do banheiro tinha ficado aberta.


Eu saí do quarto não pra te dar espaço, mas pra me dar ao menos uma chance de não me expor mais ainda ao ridículo. Eu já estava no subsolo de mim mesma, quando ouvi seu telefone tocando na mesa. Era ensurdecedor o sinal de que alguém estava a sua procura e que você atenderia, enquanto eu te procurava em vão no abismo da nossa relação. Me lembro exatamente como se aquele domingo tivesse sido ontem mesmo. Você olhou o visor do aparelho, olhou pra mim e recusou a chamada ou desligou o celular. Minha cabeça não estava baixa, mas eu também não conseguia te encarar. O celular continuou ali, me desafiando e você voltou pra o quarto. Enquanto eu, que tantas outras vezes não teria perdido a oportunidade de conferir o registro da última ligação, ignorei aquilo tudo, por saber que nada me livraria te de ver indo embora naquele domingo.

A televisão estava desligada, o computador estava desligado, o meu telefone estava desligado e aquele silêncio berrava pra mim alguma coisa indecifrável. Te vi andando, jeans e camiseta, nada mais óbvio. Uma mochila que você não gostava muito, certamente com quase nada dentro. Era tudo simbólico. Signos seus mandando mensagens pra mim. Você não ia viajar, era domingo, você estava indo embora e eu não conseguia me levantar pra dizer nada. Eu só chorava copiosamente, por pura consciência. Incrivelmente, eu não sentia ódio da sua frieza e ainda não sentia ódio de mim por estar tão exposta ao horror do fim. Ia sentir mais tarde, quando eu soubesse que precisava ter sido mais adulta do que aquilo, mas, simplesmente não conseguia.

Você começou a caminhar na minha direção e aquilo me pareceu desesperador. Uma rendição teria valido a pena? Você sabia que eu não iria implorar, nem rastejar, mas sua caminhada curta em direção a mim ainda me fez ter uns segundos de dúvida se você ia mesmo embora naquele domingo. Por isso, eu levantei num desafio a sua piedade, que na verdade representava a última esperança de uma mulher que sabe que não teria você se continuasse se mantendo no papel de vítima.

Minha ilusão foi inútil. Em pé, ouvi você dizendo apenas que voltaria em algum dia da semana pra arrumar as coisas enquanto eu estivesse no trabalho e deixaria a chave na portaria. Assim, simples como quem deixa de dividir um apartamento com um amigo da faculdade. Sem dor, sem saudade ou comiseração. Você não me abraçou, não me beijou e eu nada lhe propus ou sugeri. Enquanto você dizia esta frase simples, só ecoava em minha mente que você estava indo embora. Nada mais. Você saiu, teve cuidado de bater de leve a porta. Era domingo, você foi embora e continuaria sendo domingo por algum tempo na minha vida.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dinheiro Yes!

O texto da coluna escrita por Caetano Veloso no jornal A Tarde do último domingo tinha o título “Dinheiro não”. Nela, além do blá blá blá sem fim dele sobre suas idas e vindas  e de uns elogios a nova Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, ele veio pra cá querendo convencer não sei quem de que, apesar dos pesares, ele não liga pra dinheiro não. Inclusive, essa “coisa de direitos autorais”, ele coitadinho, diz que já foi tão roubado, que se cansou de atentar pra isso. Faz-me rir, Caetano! 

Dinheiro yes! Eu ligo e muito pra dinheiro e sabe por quê? Pelo simples fato de que tenho muito menos do que gostaria. Até porque, é com essa coisinha chata chamada dinheiro que conseguimos as coisas no mundo em que vivemos, né não? A beleza pura e a elegância cantadas por Caetano, que eu saiba, não pagam contas de água e luz, não abastecem carros, não garantem bolsas em cursos de inglês e nem quitam apartamentos. Então o que fazer?

Acho muito engraçadas as pessoas que, assim como Caê, não ligam pra dinheiro, mas trocam de carro todo ano, jantam fora todos os dias, têm a acupuntura e a análise como itens de sobrevivência, viajam pra o exterior todas as férias e reformam a casa sempre que surge uma nova tendência disso ou daquilo. Esse povo que se "limpa" fazendo uma caridade (zinha) aqui e outra ali. Deve ser bom não ligar pra dinheiro assim.

Quem quiser que me chame de capitalista alienada e toque fogo em mim. Eu não quero enriquecer as custas (ou nas costas) de ninguém e muito menos quero que o mundo fique mais miserável do que já está. Eu mesma já andei com camisa de Che Guevara e meia dúzia de ideologias falidas de sobreaviso. Até que, a vida me explicou que não é tão simples assim e que, quem não se amarra a dinheiro não, fica por aí “matando amanhã o velho inimigo que morreu ontem” – como disse o mesmo Caetano após as vaias de 68.  

sábado, 8 de janeiro de 2011

Eu Blogueira

Assisti na última quinta ao documentário “Eu sou a mídia” falando sobre a febre dos blogs, os blogeuiros “celebridades” e essa espécie de narcisismo virtual. Sugiro que vejam, porque vale a pena. E, como agora sou uma modesta blogueira, parei para pensar um pouco mais sobre o assunto. 

Até porque, há algum tempo eu achava que ter um blog era coisa de quem não tinha o que fazer ou de quem achava que tinha mais coisa importante pra dizer do que todo mundo. Por sorte percebi que estava enganada. E me dou ao direito de discordar dessa minha antiga ideia, porque, como diria Nietzsche: “Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.” 

Me interessei por ter um blog depois que li muita coisa boa na net e vi que era possível ser uma blogueira e manter minha dignidade intelectual. Descobri que muita gente vai além do narcisismo virtual - que de fato existe e tem sido cultivado cada vez mais através dos twitters e facebooks da vida - e tem muita coisa interessante pra dizer. É inegável que há também um sem número de imbecis que potencializam suas demências através das ferramentas da rede. Mas, fazer o quê? 

No começo, eu cheguei a pensar que ficaria fazendo "longas cartas pra ninguém" mas, ter um blog, antes de qualquer coisa, é bom porque sempre amei escrever – não foi à toa que segui pelo Jornalismo – e acaba sendo também um exercício de conversar comigo mesma e me entender, ainda que eu continue torcendo pra que ele não pareça nem diário e nem divã. Lembram?


Não posso negar que fico feliz quando recebo elogios sobre os meus textos. Assim como não abro mão de discutir sobre alguns temas antes de escrever, sem falar dos posts que surgem de observações, bate papo e até mesmo sugestões de meus fiéis leitores. Assim, o documentário me fez pensar sobre como é importante construir através dessas ferramentas e eu acredito que expor minhas ideias e fomentar debates e reflexões – ainda que em grupos bem pequeninhos – já é algo. Por isso acho que vale a pena ser “a mídia” e que há muita coisa a ser feita com isso. Até porque acredito que meus prudentes seguidores irão me parar quando eu começar a falar merda. Confio em vocês, viu?!

PS.: Não poderia deixar de agradecer a minhas leitoras, fontes, críticas, colaboradoras (não necessariamente nessa ordem), as quais eu nem preciso citar nomes, elas sabem muito bem quem são e o que são. Thank you!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sem título


Ainda que eu tivesse justificativas mil, nenhuma serviria.

Porque veio como água da chuva, como chuvisco e virou tempestade, dessas que arrancam árvores do chão, dessas que parecem que vão devorar, dessas que passam e arrastam tudo, confundem tudo e deixam só o cheiro de terra molhada e a vontade de reerguer.

Porque quando me tem é como um mar que transborda transformando raso em fundo, salgando de saudades, revirando o que era calma pra alertar.

Porque quando em mim flui é como um rio que desliza na planície e encanta com sua dança, aquece com sua cerimônia e que dá o mais perfeito encaixe que leva ao infinito, que me enlouquece, me enobrece e me torna mais mulher.

Porque quando não está é como esse vento soprando baixinho, fazendo arrepiar, fazendo desesperar esperando um sinal, vento que varre tudo e deixa só o que quer.

Porque o gosto me preencheu por dentro de uma forma que busco por fora alguma coisa e não acho, de uma forma que nem sequer me preocupo em nada mais buscar.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A vida de quem não vive sem celular

Primeiramente gostaria de dizer que eu não sou nenhuma “eco-natureba” avessa a tecnologia. Muito menos uma invejosa sem dinheiro que fala mal dos outros porque não pode ter. Mas, vamos combinar que algumas pessoas simplesmente exageram nessa onda de conexão total. É muito celular, chip e serviço para pouca utilidade.

Tem gente que não crê que eu passei quase um mês sem celular e não morri por isso. E se voltei a ter foi essencialmente pela preocupação em ser convocada para uma entrevista de emprego e não poder contar com esse meio. Convivo com pessoas que, ao contrário de mim, desfilam com aparelhos de não sei quantas operadoras e que não passam menos de 5 minutos sem dar uma conferida no visor de seus celulares. Vejo por aí um monte de gente que sofre horrores quando o celular fica sem bateria ou quando esquece em casa e que tem depressão instantânea quando perde uma ligação e não sossega enquanto não retorna ao chamado, muitas vezes, dispensável. Não canso de ver uma pessoa ou outra de cara pra cima procurando sinal para receber ligação de ninguém. Pra que tanto? 

O celular é útil, facilita muito as nossas vidas, chega a ser indispensável para alguns profissionais, mas que eu me lembre não me aconteceu nenhuma tragédia irreparável por eu ter ficado esses dias sem um aparelho móvel. Até porque, eu tenho e-mail, msn, telefone fixo e - que eu saiba - não sou o ser humano mais procurado do mundo. Acho que, de repente as pessoas resolveram viver nessa paranoia do “preciso ter” e por isso têm. Uma necessidade incrível de ser encontrado, sem ter, muitas vezes, nem quem te procure. Então me poupe!

Outro dia, estava no cinema com minha irmã, e uma mulher na fileira em frente ficou fazendo nem sei o que no Iphone praticamente durante toda a sessão. Dá pra acreditar? Tem gente que para conversa séria ou paga mico no meio de uma reunião ou aula porque o celular começa a tocar, como se quisesse gritar que o mundo dentro daquele aparelhinho é mais importante do que qualquer compromisso que esteja acontecendo naquele momento.  Isso pra não falar daqueles episódios em que uma ligação destrói um namoro, uma boa transa, uma maravilhosa noite de sono ou sei lá quantas outras coisas.

O mundo realmente mudou e está aí uma série de artefatos eletrônicos e portáteis que facilitam nossas vidas. Eu amo isso, pois além de ser dessa geração hiper conectada, eu sou profissional da área de comunicação. Sei que os celulares hoje podem ser usados para infinitas e ótimas atividades, mas, me desculpem meus queridos, eu acho que vocês andam exagerando. Existe vida sem celular e, fiquem sabendo, não é tão ruim assim.

Ilhados de problemas

Quem, assim como eu, resolveu ficar ilhado nesse final de ano, passou por poucas e boas. Isso porque, depois de ser eliminada de qualquer possibilidade de passar o réveillon em uma praia dessa capital - com meia dúzia de toldos armengados que o glorioso prefeito disponibilizou em cima da hora para os barraqueiros- eis que eu e mais três amigas mui queridas resolvemos celebrar a chegada do ano novo na Ilha . É fato que estávamos cientes de todos os contras que envolvem a travessia Salvador-Itaparica às vésperas de datas como o final do ano, mas, as outras opções eram tão no sense, que era preferível se lançar ao mar, a se manter na cidade sem ter o que fazer e acabar vendo a transmissão do Echanté no Multishow. Assim, lá fui eu, na noite do dia 30, tentar pegar um ferry boat, na esperança de chegar à ilha na madrugada do dia 31. Doce ilusão. A fila de carros que desejavam embarcar rumo ao outro lado da Baía de Todos os Santos ia desde o Terminal Marítimo de São Joaquim até a Igreja da Boa Viagem, totalizando cerca de 7 km, pra quem não conhece muito bem Salvador. Era desanimador, mas a esperança não nos fazia suspeitar que aguardaríamos nada menos que doze horas para conseguir entrar em um dos barcos disponibilizados pela TWB, única empresa que faz – muito mal feita - a travessia. Mesmo tendo consciência do fluxo de passageiros que utilizam os serviços nesse período, a concessionária age com extrema precariedade, causando um verdadeiro caos. Os ferries estão ultrapassados, nunca saem no horário e adoram bater – justo nessa época - em bancos de areia que estão lá, quietinhos, o ano inteiro no meio do mar. Enquanto isso, os funcionários estão quase sempre muito mal humorados e agindo como se estivessem fazendo favores a todos os usuários do serviço, que só sonham com a construção de uma bendita ponte para curtir em paz um mero final de semana. Isso sem falar que, ao chegar do outro lado, nem pensar em relaxar, porque falta água, luz, as estradas são verdadeiros convites aos acidentes, o lixo fica amontoado nas esquinas, o policiamento é precário e as exuberantes praias daquela península mais parecem que foram esquecidas pelo poder público. Vi lá muitos dos problemas que eu vejo cá, como se a Ilha não interessasse a mais ninguém, mesmo com mais 130 mil pessoas e os 20 mil veículos que foram transportados pelo sistema ferry boat. Ficamos todos ilhados pelos problemas gerados pela falta de estrutura da região, salvos apenas quando temos amigos que conseguem fazer com que a gente se divirta em qualquer situação - e eu tenho - , para fazer valer a pena e nada mais.