terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um dia publico um livro!

E o texto abaixo, certamente, estará nele.


Um domingo

Talvez você nem se lembre, mas, quando você foi embora era domingo. Não chovia, mas o dia também não era dourado de verão. Era um domingo de mormaço e cores finas desenhadas no céu, quando você optou por ir embora da nossa história. Pra mim era um domingo cinzento, independente da estação. E por, isso, continuaria sendo domingo por algum tempo em minha vida.

Naquele domingo, eu não fui até a casa da minha mãe almoçar como fazia quase todos os fins de semana, preferi ficar em casa recolhendo tudo que representava você e tentando embalar pra jogar num buraco bem fundo, um poço. Assim, comecei a recolher dentro de mim todas as certezas de que você iria embora naquele domingo e não me cansava de olhar minha cara desfigurada de lágrimas no espelho do banheiro, quando você chegou, certo de que chegava para sair naquele dia cinza em mim. Você me olhou e enquanto o mundo desabava dentro daquele domingo, passou ao meu lado com um olhar de quem não sabia por que eu chorava tanto. Tratava de fingir que não se importava com minhas lágrimas porque assim era mais fácil pra você. E você sempre optou pelo mais fácil. Você nem sequer se deu ao trabalho de me amparar dizendo que já havíamos conversado sobre aquilo, simplesmente porque você não estava disposto a perder nem mais um segundo dentro daquela história falida de nós dois. 

Então que importância teria me dizer que eu não deveria estar daquele jeito? Pra você não tinha nenhuma importância mesmo, mas pra mim tinha toda importância saber que talvez eu não devesse mesmo estar daquele jeito. Com aquele rosto de mulher insone agarrada no último fio de esperança. Era melhor não ter nenhuma, era melhor ser pega de surpresa. Mas eu sabia que você iria embora. 

Você entrou no banheiro segurando sua toalha e eu me lembrei do dia em que te entreguei a chave da casa e me agarrei na lembrança das tantas outras vezes em que você pegou a toalha e entrou no banheiro enquanto eu te contava uma novidade deitada nua na cama. Meu coração se encheu de vida no espaço de tempo em que você pegou a toalha e entrou no banheiro sem olhar para trás e fechou a porta. Como você nunca fazia. Expulsando as recordações de todas as outras vezes que aquela porta do banheiro tinha ficado aberta.


Eu saí do quarto não pra te dar espaço, mas pra me dar ao menos uma chance de não me expor mais ainda ao ridículo. Eu já estava no subsolo de mim mesma, quando ouvi seu telefone tocando na mesa. Era ensurdecedor o sinal de que alguém estava a sua procura e que você atenderia, enquanto eu te procurava em vão no abismo da nossa relação. Me lembro exatamente como se aquele domingo tivesse sido ontem mesmo. Você olhou o visor do aparelho, olhou pra mim e recusou a chamada ou desligou o celular. Minha cabeça não estava baixa, mas eu também não conseguia te encarar. O celular continuou ali, me desafiando e você voltou pra o quarto. Enquanto eu, que tantas outras vezes não teria perdido a oportunidade de conferir o registro da última ligação, ignorei aquilo tudo, por saber que nada me livraria te de ver indo embora naquele domingo.

A televisão estava desligada, o computador estava desligado, o meu telefone estava desligado e aquele silêncio berrava pra mim alguma coisa indecifrável. Te vi andando, jeans e camiseta, nada mais óbvio. Uma mochila que você não gostava muito, certamente com quase nada dentro. Era tudo simbólico. Signos seus mandando mensagens pra mim. Você não ia viajar, era domingo, você estava indo embora e eu não conseguia me levantar pra dizer nada. Eu só chorava copiosamente, por pura consciência. Incrivelmente, eu não sentia ódio da sua frieza e ainda não sentia ódio de mim por estar tão exposta ao horror do fim. Ia sentir mais tarde, quando eu soubesse que precisava ter sido mais adulta do que aquilo, mas, simplesmente não conseguia.

Você começou a caminhar na minha direção e aquilo me pareceu desesperador. Uma rendição teria valido a pena? Você sabia que eu não iria implorar, nem rastejar, mas sua caminhada curta em direção a mim ainda me fez ter uns segundos de dúvida se você ia mesmo embora naquele domingo. Por isso, eu levantei num desafio a sua piedade, que na verdade representava a última esperança de uma mulher que sabe que não teria você se continuasse se mantendo no papel de vítima.

Minha ilusão foi inútil. Em pé, ouvi você dizendo apenas que voltaria em algum dia da semana pra arrumar as coisas enquanto eu estivesse no trabalho e deixaria a chave na portaria. Assim, simples como quem deixa de dividir um apartamento com um amigo da faculdade. Sem dor, sem saudade ou comiseração. Você não me abraçou, não me beijou e eu nada lhe propus ou sugeri. Enquanto você dizia esta frase simples, só ecoava em minha mente que você estava indo embora. Nada mais. Você saiu, teve cuidado de bater de leve a porta. Era domingo, você foi embora e continuaria sendo domingo por algum tempo na minha vida.

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