Sem título
Sem muito esforço a claridade tomava conta de todo o cômodo cobrindo com o calor daquela manhã de sábado o lençol e quase que a forçá-la abrir os olhos. Ao lado dela ele ainda dormia um sono solto, que por vezes ela invejava. O lençol enrolado em suas pernas cobria apenas parte do corpo dela deixando à mostra a parte de baixo da perna, seu colo, seu rosto que incandescia a paixão da noite anterior.
Aquele cobertor já havia acolhido suor daqueles corpos que se entregavam sincronicamente numa dança que apenas eles, na penumbra daquele quarto, conheciam, e ela desvairada sussurrou em seu ouvido palavras que jamais imaginara que seria capaz de falar, e ele a fazendo sentir o prazer de todas as formas empurrando seu corpo contra o dela numa intensidade que parecia que não tinha fim e ela a recebê-lo e a despertar nele cada vez mais o desejo de tê-la e eternizar aqueles instantes que se tornavam imensuráveis.
Suas bocas se encontravam e se desencontravam, explorando seus corpos, provando o sabor daquela paixão quente, provando daquele prazer, mostrando aos lábios, mostrando a língua e até aos dentes o gosto que tinha o corpo de cada um. Ele deu nela uma mordida dessas que chegam a deixar sem sentidos e ela matou sua sede naqueles beijos.
Logo todo o quarto estava impregnado com o cheiro daquela paixão, seus olfatos podiam provar daquele odor ao mesmo tempo em que seus corpos não paravam de produzi-lo, tanto a ponto de estarem ali a sentir apenas aquele aroma que os impulsionava a continuar a se entregar. E aquelas respirações compassadas produziam um efeito inebriante em seus ouvidos, era o reflexo do compasso de suas mentes agindo em só uma direção, esquecendo-se de tudo para viver aquele momento e nada mais.
As mãos dele passeavam pelo corpo dela descobrindo cada parte que necessitava do toque, dando voltas, acariciando, apertando e assim entregando nas mãos dele a oportunidade de torná-la mais mulher, cada vez mais e com mais força e com mais vontade, até que aquela vontade não coubesse mais dentro e precisasse sair.
E todos os seus poros passaram a transpirar aquele prazer infinito e intenso e já não havia mais pudor algum porque aquele momento já tinha sido tomado por uma cumplicidade que de tão grande contornava todo o espaço e os envolvia a ponto dele também dirigir a ela todas as palavras que ela precisava ouvir. Ela enfim pode se aquecer naquele fogo que queimava de dentro pra fora nele e nela, como se na vida não restasse mais nada além da intenção de ficar ali dentro até a última gota do desejo.
Ainda assim havia uma inconsciente vontade de repetir, repetir e repetir tudo aquilo para provar das mais diferentes sensações, para saborear os mais diferentes gostos e chegar a cada momento de um jeito, porque se era prazerosa chegada, o caminho proporcionava mais prazer ainda, aquele caminho no qual às vezes os dois se perdiam e não cansavam e não esgotavam e voltavam a se achar e a descobrir outras portas, outras entradas e usar delas e experimentá-las e fluir por dentro delas.
Ao despertar naquela manhã de sábado em que o sol insistiu em acordá-la contava com um cansaço gostoso e com uma lembrança que jamais deixaria de acompanhá-la porque ainda que por vezes tivesse sido de outros, nenhum havia sido daquela maneira, nenhuma tinha aquela intensidade, nenhum tinha lhe feito acordar com aquele sabor. Quando o sol do alto do céu rasgou a escuridão que tomava o quarto ela a invejar o sono dele se virou tentando para o dela voltar, não conseguiu. Então ele veio desnudando aquela parte que ainda estava coberta em seu corpo e os olhos sonolentos dela voltaram a brilhar e as emoções todas misturadas trataram de despertar o que ainda faltava e já estava tudo pronto para explodir de novo.
Levantou com a certeza de que tudo aquilo era peculiarmente inigualável, deixando-se envolver por aquela aura de luxúria dos bons amantes e sentindo aquelas goladas de prazer contornarem por dentro suavemente o caminho para serem a partir dali inesquecivelmente sentidas. Seu coração batia na pulsação das lembranças intensas, uma batida que tomava todo o seu peito a fazendo suspirar e delirar, fazendo com que seu corpo ainda entoasse as vontades da noite anterior.
À medida que passava para fora daquele lugar, sentia-se como as grandes atrizes ao deixarem seu mundo real e entrarem num cenário, de repente tudo passaria a ter outro sentido já que agora ela carregava consigo recordações das mais sinceras expressões que deveria cultivar para sempre.
Já com os pés na rua, o mesmo sol intenso que insistia em despertá-la, aqueceu seu corpo de mulher apaixonada com olhar radiante e então ela seguiu seu caminho. Tudo em volta parecia compartilhar com ela daquele prazer, tudo mostrava cumplicidade, tudo andava na mesma direção, nada era capaz de incomodá-la, uma grande conspiração a favor de sua felicidade.
Mas ainda que se inebriasse naquelas recordações que passavam pela sua memória como num desfile de primavera, naquela manhã ensolarada havia uma coisa a temer. Iria ser assim pelo resto da vida, essa seria a única pena a pagar, viver incomodada para sempre com a certeza de que aquilo jamais seria esquecido, porém jamais se repetiria.
Sobre coisas que não somem da memória só nos resta encarar o destino de entregar-se a tê-las eternamente como lembranças.
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