segunda-feira, 27 de junho de 2011

O circo

No palco há um homem. Ensopado por uma mistura de óleo e suor que lava seu corpo todo, ele canta um refrão inteligível, posso jurar que ele está falando um dialeto do tempo em que andávamos de quatro, porque não há uma só palavra compreensível a minha audição. Ele está vestido com uma lycra que, propositalmente bastante justa, mostra o que um combo de anabolizantes importados aplicados em doses cavalares é capaz de fazer no corpo humano. Se duvidar, a quantidade de bomba por cada milímetro cúbico do sangue dele o leva a ser consultado por um veterinário, em vez de um clínico geral. Naquele momento o homem se sente um verdadeiro rei, ovacionado por seu público. O público é composto por pessoas que idolatram as letras cantadas pelo homem. Mulheres ansiosas por uma chance de subir ao palco para dançar ao seu lado, homens mais interessados em mostrar sua masculinidade (estilo era das cavernas) se engalfinhando 90% do tempo sem nenhum motivo aparente e sendo conduzidos a socos e pontapés do recinto por profissionais que entendem que fazer segurança significa: proteger artistas, enxotar fãs e espancar arruaceiros, não necessariamente nessa ordem. Há também os empresários geralmente seguidos por uma legião de bajuladores que os tratam como se fossem a pessoa mais rica do mundo só porque eles podem ter um carro de R$ 70 mil e duas blusas da Ralph Lauren. Caminham dando ordens e fazendo conchavos, se sentem os verdadeiros donos dos “artistas”. E tratam de incutir em suas cabeças que eles não irão a lugar nenhum sem seu dinheiro. Enquanto isso, beirando o palco, uma mistura de subcelebridades decadentes e emergentes, que vão desde donos de casas de espetáculo falidas até donos de site de downloads musicais. Comportam-se como príncipes de um reino que só existe na cabeça dos que são iguais a eles. Quando você os encontra no shopping ou no barzinho eles não são absolutamente ninguém, mas ali naquele perímetro se acham o máximo. Dividem espaço com mulheres que, assim como eles, jamais terão significado algum para além do backstage. Montadas em sapatos de salto alto que torturam até suas almas, dançam simulando empolgação com sorrisos congelados, exibindo-se para homens que as tratam como pedaços de carne desses que você come, arrota e dois dias depois nem lembra que comeu. Maquiadíssimas, com os cabelos cada dia mais lisos e loiros, usam roupas que valorizam cada centímetro da magreza conseguida na base do custe o que custar. E topam esperar com fome, tendo que fazer xixi em banheiros imundos de casas de shows que não passam de arremedos de galpões e prédios velhos, no frio, por horas até serem convocadas ou dispensadas. Cada um cumprindo religiosamente seu papel como num circo com direito a palhaços, engolidores de espadas, animais e seus devidos adestradores.

Um comentário: