Seja ao narrar o percurso de índias sexagenárias que navegam a qualquer hora do dia ou da noite por rios infestados de jacarés para trazer ao mundo uma, duas ou até três gerações ou ao transcrever o sofrimento de mães que começam a pagar os caixões de seus filhos cinco anos antes deles serem assassinatos pela certeza de que eles não resistirão à mira certeira do tráfico de drogas, a premiadíssima jornalista Eliane Brum expõe com sua admirável prosa, histórias que parecem realismo fantástico, mas que não passam da mais pura realidade vivida no Brasil.
Li em dois dias, mas com dois anos de atraso,O olho da rua (Editora Globo, 2008), uma verdadeira aula de jornalismo da repórter especial de Época, escritora e cineasta, Eliane Brum, de quem eu particularmente já gostava desde que fui apresentada a seu trabalho no meu terceiro semestre da graduação. Ainda que o livro de Eliane não seja direcionado só a jornalistas, até porque ele é fruto da reunião de dez grandes reportagens publicadas na Revista Época, eu o indico principalmente para todos que pretendem se tornar bons profissionais da área. Porque ao invés de apresentar técnicas ou nos falar em tom didático como muitas obras que eu li ao longo do curso, esse livro nos mostra através dos resultados, as qualidade necessárias para ser um jornalista do tipo que ouve e escreve muito bem.
O breve e rico prefácio escrito por ninguém menos do que Caco Barcelos, já nos mostra um pouco da qualidade do trabalho presente nas 420 páginas, nas quais Eliane mostra também, após as matérias, um pouco dos bastidores de cada reportagem e também aquilo que cada personagem, lugar ou entrevista causou em sua vida como um todo, para além dos limites da profissão de repórter.
A autora vai, linha a linha nos inebriando com o seu exímio dom de saber utilizar as palavras. É um texto tão vivo quanto à realidade por ele apresentada, contendo frases e citações hermeticamente bem arranjadas, precisas e absolutas, que conseguem transpor o leitor a um mundo familiar ou extremamente desconhecido. Eu, por exemplo, que tenho tido uma vida plenamente urbana me sinto dentro da floresta ao ler: “A parteira da Amazônia dá adeus enquanto nossa canoa some no rio. A arara observa de um galho, um bando de papagaios corta o céu aos gritos, uma menina banha-se na água do igarapé preparando-se para a escola.” É exato. São paisagens, cheiros, sabores e sensações muito plenos e bem apresentados.
Eliane descortina o país e narra a todos que gostam da palavra bem escrita, o que se passa desde os confins na Selva Amazônica até o Planalto Central. Ela traz ao leitor as coisas que teve o privilégio de ouvir em um asilo carioca, numa rodoviária roraimense, numa fila de desempregados ou numa enfermaria em São Paulo, com uma precisão invejável, para aqueles (que assim como eu) um dia se lançaram à seara de tentar escrever literatura da vida real, ou que apenas se interessam por leituras do gênero. Eu consegui sentir cada passagem descrita pela autora, angustiei-me, ri, em alguns momentos senti um indescritível nó na garganta e na maioria das entrevistas invejei a jornalista por ainda não ter tido as oportunidades ímpares de viver algumas experiências que ela teve ao longo das apurações.
As imagens capturadas pelos fotógrafos da Época durante as reportagens também merecem elogios à parte. Apresentadas no livro em preto e branco, as fotografias mostram através de planos ótimos (muitas vezes inusitados para o fotojornalismo) um pouco do que era visto naquelas peregrinações jornalísticas.
Na medida em que o livro ia chegando ao fim eu ia me sentindo meio órfã, meio abandonada, como costuma ser quando leio obras com as quais me identifico. Nesse momento eu já não consegui diminuir o ritmo da leitura, para que ela durasse mais tempo e sentia as palavras escorrendo das páginas para minha vida. Ao terminar, volto e releio a apresentação escrita pela autora (tenho essa mania), concordo com sua descrição sobre o que é seu livro. Por isso, escrevo aqui para recomendá-lo a todos que se sentem carentes de um bom texto pra ler – sinto-me assim entre um livro e outro- desses que nos mexem por dentro e nos direcionam a uma lenta digestão de todas as sensações que nos proporcionaram. Leiam!
Ao ler sua descrição,até me lembrei um pouco do livro "Cidade de Deus",porque Paulo Lins,assim como a autora por voce citada,narra as situações e cenas de forma que a gente consegue quase que "enxergar" o que é descrito.
ResponderExcluirFiquei com muita vontade de ler esse livro e viajar através das experiências dela.Gosto muito de histótias reais.
E desde quando crítica literária, mesmo que recheada de descrições da autora não é sério? Rsrsrsrs
ResponderExcluirVou colocar seu blog nos links!